A presidente se irritou ontem. Disse que sua fala, muito clara por sinal, foi distorcida. E mais, não foi coisa da imprensa ou da oposição, foi distorcida pelo mercado.

Lembrando o passado recente, quando o PT se tornou uma possibilidade concreta de governo lá em 2002, o mercado financeiro se mostrou claramente preocupado com esta probabilidade e não era para ser diferente.

O partido passou os anos anteriores demonizando o mercado, como se este fosse o responsável por todas as mazelas da economia brasileira e só fosse composto por especuladores frios e calculistas, sedentos por dinheiro.

Porém, como toda a generalização – de todos os lados – essa está tão longe da realidade quanto as atuais políticas do governo. O governo do PT foi um dos mais liberais em termos econômicos e o mercado financeiro se tornou afável ao mesmo no primeiro mandato de Lula.

A transição de governo foi exemplar e a dupla Palocci/Meirelles era considerada ótima opção para a economia.

As trapalhadas politicas do mensalão elevaram Mantega à Fazenda, considerado mais “alinhado” com o planalto.

Mantega veio a retomar o discurso de que o fluxo de capitais estrangeiros era responsável pela supervalorização do Real, sem citar que passávamos por um momento de fortíssimo fluxo comercial.

Desde então, diversas taxações para operações de mercado financeiro, principalmente de estrangeiros foram colocadas em voga. Ainda mais, as intervenções do governo em estatais de capital aberto também minaram a confiança dos investidores.

O risco regulatório cresceu e o investidor se afastou do mercado. Com a saída de Meirelles em 2010, vimos claramente nos discursos de Tombini duas coisas: um discurso estranhamente “alinhado” com o executivo e a fazenda e mais recentemente, a tentativa de corrigir as declarações de diversos membros do governo.

Mesmo com a correção de Tombini, a fala de Dilma abriu de maneira indubitável uma intepretação de que a Selic não subirá e reforça para aquilo que citamos aqui com muita frequência: Juros baixos é a principal bandeira eleitoral do atual governo e o BC está de mãos atadas para usar tal instrumento.

Atenção! Não sou eu ou o “mercado” que diz isso, é a realidade. Pior ainda, as características da atual inflação realmente só conseguem baixar os juros caso freiem o restante da economia.

Alimentos, energia e serviços raramente são sensíveis às elevações de juros e a falta de se utilizar os núcleos de inflação para exatamente evitar a captura destes itens altamente voláteis leva às dificuldades que observamos na condução de politica monetária.

Com isso, o aperto tem efeito de tiro de calibre 12: atinge o alvo e tudo que estiver nas proximidades.

É questionável a necessidade de mais juros no atual panorama de crescimento econômico, porém isso não deve ser carregado como bandeira politica e sim pautado na realidade. Se couber um aumento de juros, este deve ocorrer independente dos desejos da presidente.

A correção da fala de ontem pode exatamente suscitar num aperto monetário, para “alinhar os discursos” e o mesmo pode ser algo leve como 0,25% na próxima reunião do COPOM em abril.

Mas tudo o que citei acima se resume em um fato. O “namoro” do governo com o mercado financeiro acabou desde 2008 e a falta de liquidez e o marasmo são parte do resultado deste rompimento.

Resta saber o que será o futuro disso, pois é de grande temeridade quando um governo começa a distribuir culpas (imprensa, mercado financeiro, crise internacional, capital estrangeiro) para encobrir sua própria incompetência para lidar com seus problemas.

Parafraseando nosso colunista Gordon Gekko: “Dilma e o mercado não combinam”.

E só para reforçar, segue a fala da presidente: “Eu não concordo com políticas de combate à inflação que ‘olhem’ a questão do crescimento econômico, até porque temos uma contraprova dada pela realidade: tivemos um baixo crescimento no ano passado e um aumento da inflação, porque houve um choque de oferta devido à crise e fatores externos”.