É a minha manchete e título deste artigo.

Sim, o Senado impôs uma derrota aos brasileiros.

O Brasil perdeu ontem porque os senadores derrubaram uma resolução do Governo Federal que limitava os gastos com planos de saúde dos funcionários das estatais.

A mídia e os analistas de política e economia deram a seguinte manchete:

“Governo é derrotado no Senado”.

Tecnicamente, a proposta de manutenção da resolução de 2018 pelo governo não teve votos suficientes e perdeu. Neste aspecto, o governo foi derrotado.

Mas quem perdeu de fato foram os brasileiros, a responsabilidade fiscal, o combate aos privilégios e a luta pela justiça social.

Então, melhor dizer que o Senado derrotou os brasileiros, o Senado impôs uma dura derrota ao Brasil da luta por justiça social.

Aos fatos e números, para me explicar melhor.

Na proposta “derrotada”, o governo de Jair Bolsonaro propunha manter a eficácia de uma resolução, que vem do governo Temer quando começou a recuperar as estatais, e que limitava os gastos com planos de saúde dessas empresas com benefícios mais parecidos com privilégios e abusos. Antes da resolução entrar em vigor – a que o Senado agora derrubou -, segundo o Estadão, as estatais cobriam mais de 90% dos gastos, havia pouca ou nenhuma copartipação dos funcionários que ainda podiam incluir como dependentes os pais e os filhos sem limite de idade. Com a resolução, a participação da empresa foi limitada a 50%, e os dependentes poderiam ser, além dos cônjuges, os filhos, mas apenas até 24 anos, desde que estudando na universidade. Os pais foram excluídos.

Na nota técnica enviada pelo governo ao Senado (isso se chama governar), a equipe do Ministério da Economia mostrou que, mesmo com a resolução mais austera em vigor – que o senadores derrubaram – as estatais pagaram, no ano passado, R$ 1.087,00 mensais por titular do plano de saúde (empregados e aposentados).

O Executivo gastou R$ 118,14 por servidor por mês, e o SUS, que atende todos os brasileiros, R$ 59,10 por cidadão, mesmo com os gastos aumentados pela pandemia, que foram astronômicos.

Compare:

Funcionário de estatal: R$ 1.087,00

Servidor: R$ 118,14

Cidadão do SUS: R$ 59,19

Como é nome disso senão um privilégio que o governo até aceitava, mas não queria deixar aumentar?

Claro que estatais solventes, de grande lucro, podem oferecer benefícios gordos para seus funcionários. Faz parte dos atrativos para angariar bons profissionais. Mas quando dão prejuízo, elas não quebram. Ocorre uma operação com o singelo nome de “aporte do controlador”, ou seja, o Governo Federal vai lá e cobre o rombo. Ou seja, o cidadão do SUS paga a diferença indiretamente porque terá menos recursos para a saúde pública e os outros gastos do governo em educação, infraestrutura, etc.

Matemática é simples e contabilidade não aceita desaforo.

A comparação óbvia da discrepância dos diferentes gastos com cada “tipo” de brasileiro não bastou e o Congresso derrotou os brasileiros.

Fazendo conta de padaria, que qualquer padeiro faz bem, porque eles são bons de conta, o Ministério da Economia insistiu e tentou facilitar o serviço dos senadores. Na mesma nota técnica, disse que revogar a resolução, devolvendo o privilégio e os abusos aos funcionários das estatais, custaria aos cofres públicos – leia-se para o povo brasileiro – R$ 1,49 bi por ano para as sete maiores estatais: BNDES, Petrobras, Correios, Caixa, banco do Brasil, Serpro e Eletrobras.

Eu sei, você sabe, os analistas de economia sabem, o Governo sabe e o Congresso parece ignorar que nós temos problemas fiscais sérios, o que significa, que gastamos mais do que arrecadamos. E todos sabem e o Congresso insiste em ignorar que temos um desejo de justiça social. E que contas ruins afastam investidores, o governo paga juros mais altos para os títulos públicos, que atrasa a retomada econômica, etc, etc. Nós todos sabemos. Os congressistas são de lua.

Mas vamos lá:

Só para os Correios, que até outro dia eram deficitários, por causa de má gestão, corrupção e gastos com privilégios (lembra dos escândalos nos governos petistas, né?), e que fora beneficiado com a limitação de custos nos planos de saúde a ponto de melhorar muito sua contabilidade – que o Senado agora derrubou – vai ter de volta um gasto calculado em R$ 219,9 milhões por ano, segundo a equipe econômica.

A decisão, além de introduzir a desigualdade social com cidadãos de primeira e segunda classe no país, pode impactar na tentativa de privatização de estatais como os Correios e a Eletrobras, segundo análises do mercado colhidas agora de manhã, o dia seguinte à farra.

Mas o que chama a atenção desde já é que a Câmara considerou inconstitucional a resolução que buscava responsabilidade fiscal, na proposta da deputada Erika Kokay (PT-DF). O senador Romário (PL-RJ) foi na mesma linha e disse que a resolução violava os direitos adquiridos pelos trabalhadores e arrematou: “Os trabalhadores das estatais vão voltar a ter oportunidade de ter qualidade de vida melhor. Tenho certeza de que a partir deste momento pessoas vão viver mais tranquilas”.

Na lógica do interesse público e do tamanho da população brasileira, quantos brasileiros trabalham em estatais e que terão “qualidade de vida melhor e viver mais tranquilas”? E quantas podem ter vida pior e viver intranquilas porque não pertencem às estatais?

Então, quem foi o verdadeiro derrotado na decisão da Câmara e do Senado que trouxe de volta privilégios nos planos de saúde das estatais?

O governo ou os brasileiros?

Perdemos todos, não há dúvida. O Senado nos derrotou.

Pra terminar, um último ponto: o barulho institucional do estilo de comunicação do governo Bolsonaro, em que pesem os eventuais excessos contra ele, provoca, sim, uma dificuldade maior para compor as maiorias no Congresso e aprovar medidas importantes, as justas e corretas, como é o caso. É a parte da culpa do governo nesse negócio que chamamos de relações políticas maduras. Mas o Congresso, ao esticar a corda fiscal, manter privilégios, e impor derrota aos brasileiros no presente e no futuro, por aparente birra, numa guerrinha política para, tudo indica, inviabilizar o governo na prática, não tem nada de inocente. Nada!

No final, o Brasil e os brasileiros pagam a conta. Sempre! Hoje ou amanhã, mas pagam.

Uma última pergunta: cadê a cobertura diligente e dura da mídia e dos movimentos de empresários e suas cartas abertas em relação aos demais poderes? Em “defesa da democracia” e da justiça social?

Outro dia, escrevi aqui que a mídia e e esses movimentos não erram porque são diligentemente duros com o Executivo. Mesmo os possíveis excessos de retórica entram na conta da liberdade de imprensa e de expressão. Cada um responde. pelo que fala e dá respostas ao seu público.

Parte da mídia e destes movimentos erram quando não tratam de forma isonômica os atos dos demais poderes.

Em tempo: O Senado também derrubou a MP 1045, sobre a manutenção de empregos na pandemia. Tinha tantos penduricalhos lá que, neste caso, acertou.

Na nota técnica enviada pelo governo ao Senado (isso se chama governar), a equipe do Ministério da Economia mostrou que, mesmo com a resolução mais austera em vigor – que o senadores derrubaram – as estatais pagaram, no ano passado, R$ 1.087,00 mensais por titular do plano de saúde (empregados e aposentados). O Executivo gastou R$ 118,14 por servidor por mês, e o SUS, que atende todos os brasileiros, R$ 59,10 por cidadão, mesmo com os gastos aumentados pela pandemia, que foram astronômicos. Compare: Funcionário de estatal: R$ 1.087,00 Servidor: R$ 118,14 Cidadão do SUS: R$ 59,19 Como é nome disso?