Devemos mudar as metas de inflação.

Sim, por mais polêmico que soe, existe um grave erro na atual premissa sobre as metas de inflação no Brasil e vamos analisar o porquê.

Antes, porém, algumas considerações.

Durante os 25 anos do regime de metas adotado pelo Banco Central, em 6 ocasiões a inflação ficou acima, sendo:

  • 2001 – Armínio Fraga;
  • 2002 – Armínio Fraga;
  • 2003 – Meirelles;
  • 2004* – Meirelles. Ficou dentro, pois a banda foi alterada de 2% para 2,5% (IPCA fechou em 7,6% e topo saiu de 7,5% para 8,00%);
  • 2015 – Tombini;
  • 2021 – Campos Neto (Pandemia);
  • 2022 – Campos Neto.

Em 18 ocasiões, a inflação ficou dentro do intervalo de tolerância, onde só observamos proximidade ao centro em 5 ocasiões, próximas ao topo em 5.

Do total, 2 ocasiões registraram resultado abaixo do centro da meta e abaixo do piso da meta ocorreu em 1 ocasião, em 2017, com Illan Goldfajn, que suscitou a famosa carta de explicação.

Este ano, é dado como certo o estouro da meta, especialmente ao considerarmos as projeções médias do mercado para novembro e dezembro e nossas projeções, que levam a taxa anual de 2024 para 4,99%, acima da meta de 3,00% e do topo, 4,5%.

Em resumo, somente estivemos abaixo do piso da meta uma vez e nunca mais próximos a ameaçá-lo.

Devemos sim, questionar qual o sentido da busca ‘desesperada’ pelo centro da meta, mas não pelo sistema em si, mas devido ao processo de metas declinantes adotado a partir da Resolução CMN nº 4.918 em 2021.

Com a queda do desastroso governo Dilma e a retomada da normalidade econômica no país, a expectativa era grande pela aprovação de reformas importantes, propostas pelo governo Temer.

O Bacen, sob a égide de Illan Goldfajn conseguiu criar algo que demorou anos no Brasil, uma credibilidade na condução da política monetária, que levou as taxas longas de juros para abaixo de 2 dígitos e estabilizou a Selic em um patamar que cumpria seu papel na condução às metas de inflação, ao mesmo tempo em que não “destruía” o mercado de renda fixa, como ocorreu no início do mandato de Campos Neto.

Passada esta fase, o mandato de RCN trouxe o apoio à mudança nas metas de inflação de maneira gradativa, até chegar aos 3,00% ao ano, aprovado em conjunto no Conselho Monetário Nacional (CMN) em junho de 2021.

Aí que começam os problemas, pois tal movimento também contava com uma melhora da saúde fiscal do Brasil, em meio às reformas aprovadas entre o governo Temer e Bolsonaro, notadamente a da previdência, trabalhista, o teto dos gastos e a expectativa constante com a aprovação da reforma tributária.

Indiretamente, basearam a mudança das metas em um cenário de Goldilocks, onde o contexto reformista tiraria parte significativa do peso fiscal da inflação e garantiria que a principal preocupação da política monetária seria com a curva de Phillips.

Em um cenário de normalidade, observando uma taxa de desemprego natural (NAIRU, estimada em aproximadamente 7,5%), a abertura do hiato do produto* e a inflação, pensar em metas de inflação civilizadas faria todo o sentido.

Só esqueceram que estamos no Brasil e se tem uma coisa que raramente acontece aqui em termos políticos é continuidade e foi exatamente o que aconteceu, especialmente com a alternância de poder.

Outro problema é que a mediana da inflação brasileira cai muito mais lentamente do que as premissas das metas de inflação comportam, como pode ser observado abaixo.

Nos 25 anos do regime de meta de inflação, a mediana foi em torno de 5,3%, daí questionarmos o qual realista são as mesmas.

A taxa mais longeva, 4,5%, adotada entre 2005 e 2016 provavelmente expressou de maneira mais correta a realidade inflacionária brasileira, dada a usual instabilidade política, os impactos recorrentes do câmbio Real / Dólar na nossa inflação (com peso que varia entre 30% e 50%), em meio ao DXY hoje ainda pesado, o viés pouco fiscalista dos governos e as características inerentes à economia brasileira, como o problema da produtividade.

Com tais fatores, é mais do que justo que repensemos a forma como as metas de inflação tem influenciado a condução da política monetária no Brasil e os impactos profundos nos custos de carregamento da dívida e no crédito.

Pode-se discutir por dias a questão do “ainda pornográfico spread bancário” e como a taxa nominal de juros tem impacto limitado no custo do crédito, mesmo após mudanças importantes que ocorreram legalmente no arcabouço de recuperação de garantias.

Ainda assim, não invalida o enorme peso causado em metas tão austeras de inflação, numa realidade brasileira que não comporta sermos a “Suiça”, como imaginamos ser entre 2020 e 2021.

Devemos reduzir então as metas?

Sim e não.

Sim, por toda a lógica sustentada acima.

Não, pelo timing.

A discussão sobre a alteração das metas de inflação no atual regime não deve, de maneira alguma, ocorrer em momentos em que a inflação está perigosamente elevada, pois soa exatamente o que é, uma tentativa, como em 2004, de mudar as regras do jogo com ele em andamento.

Em resumo, um adicional perigoso de insegurança jurídica, já conhecida como um dos piores entraves ao investimento no Brasil.

Assim como a discussão sobre a tabela do imposto de renda não deve ser feita em momentos em que há déficits primários recorrentes, tais discussões devem ocorrem em cenários, digamos, mais saudáveis em termos de indicadores.

O que absolutamente não invalida a discussão de ambos os tópicos, que devem ser feitos afastados da politização que os temas trazer.

Portanto, sim, devemos mudar a meta, só que não agora.

Como dizia sua mãe, “na volta a gente compra”.

*Sobre o Hiato

Vou aproveitar um tweet (sim, era Twitter) meu de 10 de dezembro de 2019 sobre o hiato do produto, para trazer à luz outro problema em relação à meta de inflação de 3% aa.

O Tweet:

A mensuração do tal “hiato do produto”, argumento utilizado por 7 entre 10 economistas para justificar uma política monetária frouxa falha em capturar tal distorção, principalmente ao discorrer sobre o estoque de mão de obra.

 Alguns países consideram falha a inferência pelo filtro HP (Hodrick–Prescott), indicando que o melhor seria medir o hiato pela função de produção, com o uso de 3 variáveis intermediárias como produtividade total dos fatores, estoques de capital e trabalho.

A distorção viria neste ponto, pois pela função da produção, o hiato no Brasil seria ainda maior que a média citada pela maioria de 3%.

Eis a distorção, pois a PTF levaria em conta progresso técnico, economias de escala e utilização de capacidade instalada, mas acima de tudo, os ganhos de produtividade vêm da melhora do capital humano, coisa q aparentemente não ocorreu no Brasil.

Em caso de um crescimento econômico robusto, duradouro e baseado no setor privado, com qual velocidade será absorvido o estoque de mão de obra já qualificada?

Na velocidade proposta pelo fechamento teórico do hiato do produto, das medidas de desemprego natural e PIB potencial, é relevante imaginarmos que a baixa qualidade da educação e o limitado estoque de mão de obra qualificada não exercerão papel decisivo neste fechamento?

Trazendo ao contexto atual

A atual taxa de desemprego no Brasil está, em meio a polêmicas, sensivelmente abaixo da NUCI e mais, estamos com a Utilização da Capacidade Instalada (UCI) em 74%, acima da média histórica mensal, resiliência na atividade econômica e consequentemente, pressões inflacionárias.

Dados do setor de serviços repetem o ciclo de aquecimento, com alta de 1,1% em outubro, ante projeções de 0,5%.

Se considerássemos, portanto, a função de produção, esta abertura positiva do hiato do produto seria ainda maior, criando toda sorte de pressões de preços no curto prazo, que embasariam a decisão do COPOM em continuar no processo de aperto monetário.

Conclusão

Apesar de todo o exagero dos agentes de mercado e de muitas vezes, reações exageradas na curva de juros em relação à atual situação fiscal, isso tudo ocorre juntamente à tese de “ferimento auto infligido” por parte do governo.

Entre as idas e vindas do pacote de “corte” de gastos anunciado e a péssimo comunicação com agentes do mercado, fica claro que o governo faz o mínimo em termos de austeridade fiscal, quando na verdade, sequer gostaria de estar fazendo qualquer coisa, pois membros do partido no comando ainda são aderentes ao mantra de Dilma “Gasto é Vida”, sem esquecer das consequências de tal prece.

Além disso, o Brasil figura com a 7ª maior injeção fiscal de 2024, segundo o monitor fiscal do FMI, atrás de Israel, Turquia, Catar, Eslováquia, Noruega e Cazaquistão, demonstrando que a preocupação do governo com o corte de gastos não se refere ao tamanho do estado, mas o quanto haverá de recursos disponíveis para continuar a manter a economia artificialmente aquecida.

Unindo todos estes fatores, independente das metas de inflação estarem ou não corretas, o Banco Central tem razão em promover um processo de aperto monetário.

Podemos julgar se a forma e a velocidade proposta pelo atual comando do Bacen estão erradas ou se a desancoragem das expectativas de juros nas projeções e nas curvas do mercado contém elevada dose de exagero.

A direção, porém, por tudo aqui citado, não está errada.

Para o alto e avante!