“Sua vida não tem muito sentido
Sempre em dia com o seu atraso
Mas e daí? Ela se acha chic
Troca seu destino por qualquer acaso
Perdeu a pose …” — Lobão
Em minha juventude, tive o privilégio de assistir no lançamento ao videoclipe da Deborah Blando, em que ela cantava sua versão de uma música do Lobão, intitulada Décadance avec Élégance. Nunca vou me esquecer disso: a expressão francesa foi utilizada na música na forma de uma crítica social, em um período de conturbação política e comportamental no Brasil, e fala sobre a superficialidade da vida de pessoas que se preocupam apenas com as aparências, mesmo que se encontrem em franca decadência moral e ética, rumo a valores muito menores e duvidosos. E por que digo que tive este privilégio?
Bem, em primeiro lugar porque a Deborah Blando, além de jovem e excelente cantora, era uma Italiana maravilhosa (apesar de ter nacionalidade também brasileira, nasceu em Sant’Agata di Militello, na Sicília). Em segundo lugar porque a sua versão da música honrava outro expoente da música brasileira em sua época, o Lobão, que era notadamente mais culto e capaz do que a MPB costumava oferecer. E terceiro porque vivi de fato esta época, ainda que jovem. Não preciso ler sobre ela em livros, periódicos ou ver imagens de fotografias. E apesar de ser um período de grandes incertezas domésticas, sobretudo econômicas, a produção cultural era muito, mas muito, mais rica e de melhor qualidade, do que temos hoje.
Por esta razão, e com esta introdução, posso afirmar categoricamente que quase 40 anos depois continuamos, aqui no Brasil, alvos da mesma decadência com elegância só que de uma forma muito mais massificada, potencializada por tudo o que de bom e de ruim, ao mesmo tempo, a tecnologia nos oferece. O Brasil é um país decadente. Socialmente, economicamente, politicamente. Com valores sociais, morais, éticos, cada vez piores. Mas que insiste, preocupado apenas com sua aparência “para Inglês ver”, em tentar vender uma imagem de elegância.
Que inexiste.
Por dever de ofício devo tentar formular aos meus clientes (e consequentemente para mim mesmo) um cenário prospectivo para a economia e, fatalmente, para a política, já que a dependência mútua é marcante, patente, factual, em nosso país, onde Presidentes derrubam Economias e Economias derrubam Presidentes. E a formulação deste cenário é continuamente dificultada pelo regime de decadência com elegância Brasileiro. Explico.
Um dos pilares fundamentais para o conjunto da nossa economia é a capacidade que governo (não o Estado, não confundam) possui de honrar com seus compromissos. Leia-se, pagar suas contas. Não dar calote. O tal do “fiscal” que caiu na boca do povo, ou o tal “arcabouço”, que caiu na boca da Faria Lima (sim, pois por mais que o Eduardo Paes queira fazer diferente, ainda só existe a Faria Lima no mercado financeiro doméstico). No frigir dos ovos estamos falando simplesmente de quanto sobrou na carteira do Haddad e do Lula, que na verdade é nossa apesar de deixarmos que eles cuidem dela por quatro anos (e é assim que todo eleitor deveria pensar – quem você vai deixar cuidando da sua carteira nos próximos quatro anos…) para pagar os juros da dívida pública federal.
Não tem sobrado. Mas até aí não é nenhuma novidade. O ponto é quanto vai sobrar ano que vem, e no outro, e no outro… Querem fazer sobrar? Quanto?
Não querem.
E é aqui que vem a decadência travestida de elegância de nossa política fiscal. Para justificar que não sobrará nada, e que na verdade irá faltar, passamos a tratar gasto público como investimento. Como algo bonito. Algo que tem mérito. Algo nobre. Podemos fazer juízo de valor a respeito dos gastos públicos sob qualquer critério que, arbitrariamente, optemos por adotar. É bonito dizer às massas que gastar com determinado programa dito social é investimento. Rende opinião pública. Rende votos! Mas no final das contas é só dinheiro sendo gasto. Malgasto. Superfluamente. Sem resolver qualquer problema estrutural de longo prazo.
Afinal de contas a palavra investimento, proferida pela boca do lobo em pele de cordeiro, remete a retorno. Você “bota” dez, e recebe vinte. Você aufere ganhos de longo prazo. É chic investir. Elegante.
Qual retorno? Apurado e calculado como? Por qual métrica o Brasil hoje é melhor do que era há 5 anos, há 10 anos, há 15 anos? Como evoluiu nossa taxa de desemprego de lá para cá…Estamos melhores? Nossa mão de obra é mais qualificada? Nosso capital é mais produtivo? Não, não e não, respectivamente. Continuamos sendo o PIB de voos de galinha.
É bem verdade que os tempos da música do Lobão, e da versão de Donna Deborah, trouxeram o Plano Real e a estancagem de um processo hiperinflacionário. Sem isso, o Brasil teria se tornado rapidamente inviável enquanto país e nação. Com isso, adiamos os efeitos ruins dos outros inúmeros problemas que ainda possuímos, alguns que, talvez, nem tenham mais solução. Como é o caso da Previdência Pública. A menos que “invistamos” (sic) dinheiro público na Previdência Pública, ela irá quebrar um dia. E irá quebrar “legal”…
Somos decadentes com elegância. Compramos carros elétricos Chineses porque não conseguimos produzir direito sequer um microchip utilizado em suas placas de circuito, quanto mais os carros. Mas achamos os carros elétricos Chineses algo chic e queremos tê-los, mesmo sem ter onde carregá-los. Assim como achamos chic andar de bicicleta elétrica em uma cidade deficiente de transporte de massa (os patinetes eram ainda mais elegantes).
Somos decadentes com elegância porque discutimos independência de um Banco Central, que luta contra uma discussão fiscal produzindo juros reais superiores a 7% ao ano, para ficar elegante com a Faria Lima na busca por uma taxa de inflação que, em razão de nossa decadência fundamental, ainda não temos produtividade econômica para alcançar. Mas é chic ter um Banco Central dito independente.
Somos decadentes com elegância porque nossos dirigentes vivem em Brasília como a nobreza em seus palácios, mantidos com um dinheiro público, taxado, que é considerado “investimento”. E eles se perpetuam no poder de maneira decadente, apelando sempre para o populismo barato, o discurso demagógico, a discussão palaciana decadente entre os três poderes, porque é chic ter uma institucionalidade de direito como esta.
Somos decadentes com elegância porque depois de 30 anos do lançamento da versão da Deborah Blando para a música do Lobão, nosso ideal econômico é comer picanha e beber cerveja no final de semana.
Que aliás não tem.