A decisão do Banco do Japão em manter a taxa de juros e incrementar a compra de títulos, num processo semelhante ao quantitative easing do Federal Reserve não causa surpresa aos investidores, mas expõe uma situação interessante.
O Japão luta há anos contra duas forças inexoráveis em sua economia: a flutuação do Yen e a deflação. Como citei aqui anteriormente, a economia japonesa não opera dentro dos mesmos parâmetros do restante das economias do mundo.
Em um mix de um forte viés exportador com uma demanda local baseada em produtos de valor agregado relativamente baixos, o país consegue passar por décadas de deflação e fraco crescimento econômico, sem que a faixa média de desemprego de 4,5% não seja perdida.
Isso mantém a renda, a taxa média de ocupação e uma faixa de conforto da demanda agregada. Obviamente, o objetivo é sempre a busca pela faixa histórica dos 3,5%, ou ainda, pelos 2% obtidos em 1992, auge do poderio nipônico sob o ocidente.
Mas a tal globalização, tão pregada nos anos 80 e principalmente, 90 veio para ficar e é real. Neste processo, o uso do instrumento monetário ganha cada vez mais força e as desvalorizações cambiais através da expansão da liquidez são lugar comum.
Os EUA mantêm os juros baixos para sustentar a retomada do crescimento econômico e ao mesmo tempo, incrementa os ganhos de seus exportadores. O caso americano é mais emblemático, pois a terceirização industrial manteve os ganhos de capital nos EUA, mas elevou o déficit de balança comercial.
Portanto, um dólar mais fraco ajuda o setor exportador, mas pode ser um elemento a mais para a elevação da inflação, já potencializada pelos juros baixos.
Porém, o que mantém os EUA “em pé”, com ciclos de crescimento econômico sustentável é exatamente esta inflação baixa. Nem pressionada, nem negativa, simplesmente baixa.
E o motivo para essa inflação é simples, ela é “importada”. Os dois países respectivamente responsáveis pela baixa inflação americana são o Japão e a China, não por acaso os maiores demandantes globais dos títulos do tesouro dos EUA.
Desde que partiu para um processo agressivo de industrialização na década de 50, o Japão ganhou força econômica global, que se firmou entre os meados dos anos 80 e 90. Neste período, os investimentos japoneses nos EUA iam desde plantas industriais até bancos, fusões, aquisições e mercado imobiliário.
Este foi um dos sustentáculos da recuperação iniciada por Ronald Reagan e fincou as fundações japonesas até hoje nos EUA.
O Japão possui deflação devido à elevada taxa de poupança, consumo controlado e oferta abundante. Esta última parcela é característica de países com forte viés exportador (ex. a gasolina em países produtores de petróleo é na maioria das vezes muito barata), o que faz que, voluntária ou involuntariamente, a grande oferta mantenha os preços em patamares médios baixos.
Obviamente, tais preços são afetados pela flutuação no valor de commodities, combustíveis e pela variação cambial, mas discutiremos isso em outro momento.
As maciças exportações e a o grande número de empresas japonesas ou adquiridas por japoneses nos EUA ajudam bastante, mas elevam de maneira exponencial a dependência à maior economia do mundo.
O Japão começou sua expansão industrial inicialmente pela cópia em valor muito inferior – e qualidade também – de produtos ocidentais, aliada a investimentos pesados em educação, com consequente melhoria de qualidade e inovação tecnológica, num período de tempo relativamente curto (três décadas).
Isso igualmente – em detalhes – ocorreu com a Coréia do Sul no final dos anos 80 e início dos 90 e acontece com a China, mesmo que num processo ainda em andamento. Estes são todos grandes ofertantes de produtos industrializados em largas quantidades, o que se traduz como inflação baixa ao seu maior demandante no mundo, os EUA.
O caso chinês é o mais gritante, pois a falta de regulações trabalhistas, previdenciárias e ambientais transformaram uma nação socialista em um país com o mesmo capitalismo selvagem descrito por Marx. É a história metendo a mão na cara da teoria.
A China é o principal exemplo de exportação de inflação baixa, pois a terceirização industrial americana fez com que uma série de produtos, principalmente eletrônicos sofresse uma queda brutal de preços.
Um exemplo simples. Um aparelho de VHS custava em 1980 em torno de US$ 699 nos EUA, ou US$ 1950 em valores atualizados, sendo que um aparelho de BluRay 3D top de linha hoje em dia tem preço de US$ 199. Nem é preciso comparar as tecnologias e basta olhar na etiqueta para saber onde ao menos o produto é montado.
A China produz e monta de tudo, mas ainda tem grande dependência da tecnologia de ponta do Japão e em menor escala, da Coréia do Sul. Isso se mostrou com precisão após o Tsunami de 2011, quando parcelas significativas da indústria e do PIB mundial pararam pela falta de componentes de alta tecnologia somente produzidos nas regiões afetadas.
O que pode elevar o temor americano por inflação é o modo japonês como a China tem conduzido sua transformação para uma economia de mercado. O primeiro passo foi a conquista de mercados com produtos de baixo preço e baixa qualidade, seguido de especializações de mão de obra, que fez com o que outros países transferissem suas plantas industriais de montagem, para então se produzir bens de melhor qualidade e com os investimentos em educação, começa o processo de inovações tecnológicas (ainda em andamento na China).
A nova geração de chineses nem sequer se lembra dos tempos do comunismo e quer ter um padrão de vida superior àquele que seus pais tiveram. É insana a busca dos chineses por educação superior, considerada um passaporte certo para uma vida confortável e, além disso, a China tem crescido anualmente o número de doutores formados em diversas áreas.
Independente do modelo político, o futuro será marcado por uma população com demandas previdenciárias, trabalhistas e ambientais muito mais sofisticadas do que a atual, o que impactará no futuro preço dos produtos chineses.
Além disso, essa população terá maior renda, absorverá uma parcela significativa da produção e a “oferta ociosa” chinesa diminuirá. Combine isso tudo com a proteção ferrenha de um câmbio desvalorizado, como ocorre hoje em dia, temos a receita do fim do ciclo de bens industriais ultra baratos.
O que pode evitar tal cenário é que o consumo chinês se aproxime mais do modelo japonês do que do americano, mas o que se vê hoje em dia no país é exatamente o contrário. Chineses educados querem ter grandes carros, grandes casas e as melhores roupas, numa disputa com mais de um bilhão de pessoas. Será que o planeta aguenta?
Namu!