A “esquerda” acredita mesmo que xingando 49.276.990 de eleitores de fascistas e nazistas, vai convencer de que o outro lado é uma opção viável?

 

A outra opção não está podre o suficiente para não ser considerada viável?

 

Xingar todo mundo de Fascista é um tipo de argumento reducionista e está gerando um efeito inverso nos movimentos progressistas e não somente nas eleições.

 

Recordemos a fábula de Esopo, do menino pastor e o lobo, para entenderem que tal reducionismo somente vai alimentar ainda mais tal evento.

 

Não há disposição a se entender a motivação do outro lado, do porquê desta escolha.

 

Este reducionismo transforma eleitores de um lado automaticamente em nazifascistas, sendo que certamente o Brasil não se tornou uma Alemanha dos anos 1930 de uma hora a outra e do outro, em comunistas comedores de criancinhas, sendo que o Brasil não é uma Rússia em 1917.

 

Vamos voltar um pouco no passado.

 

A onda progressista do Brasil nos anos 80 e 90 foi resultado de anos de repressão, seja física, moral ou intelectual de um grupo “conservador” e era natural que isso ocorresse.

 

O início da ditadura no Brasil foi uma resposta que, naquele momento, parecia certa para uma grande parcela da população, até mesmo para o congresso, o principal artífice do início do processo em 1964, devido à polarização global de modelos ditatoriais (ditaduras militares ou do proletariado).

 

Com o passar dos anos e diversos abusos, a ditadura foi perdendo força e já sucumbia anêmica, após seu período mais violento entre 69 e 73. Em meados dos anos 70, seu colapso começou a se formar, primeiramente com a anistia em 1977, até a derrocada em 1985 e a “eleição” de Tancredo Neves, resultado do movimento Diretas Já.

 

Além das razões acima, um dos motivos do colapso foi a inabilidade econômica dos militares, que deixaram o Brasil com hiperinflação e baixíssimo crescimento econômico, após o“milagre”dos anos 70.

 

Neste momento, a onda progressista fez sentido, com o Brasil experimentando uma liberdade até então tolhida (lembrem da abertura da novela Tieta, por exemplo) e apesar da eleição de Collor, experimentávamos muitas mudanças no campo social-democrata (opção mais viável após o enfraquecimento dos socialistas com a queda do muro de Berlim em 1990), até a opção por Lula em 2002.

 

Da redemocratização em diante, nas suas coleções de erros, todos os presidentes trouxeram acertos, com a abertura comercial de Collor, o plano Real de FHC e os planos assistenciais de Lula (sim, devem existir). Entre os erros, estão exatamente evitar tratar os essenciais temas problemáticos brasileiros, por temores de ônus eleitorais, dadas suas impopularidades (reforma trabalhista, fiscal, tributária, previdenciária, entre outras tantas).

 

O problema agora vem em dois frontes:

 

No primeiro fronte: Corrupção.

 

Após a descoberta do mensalão e de sua quase queda, Lula reergueu-se e se deslumbrou com a enormidade de recursos advindos das reservas de petróleo do pré-Sal, desistindo de um projeto de governo, alçando a um projeto de poder que deixaria o PT no comando por mais de 20 anos.

 

Para tal objetivo, tudo parecia permitido, tudo era factível. Corrupção, desvio de recursos, compra de parlamentares, políticas econômicas mirabolantes, escolha arbitrária de candidatos, relações espúrias com empresas, etc.

 

Entre este `tudo permitido`, apesar de pessoas como FHC negarem essa possibilidade, houve uma clara tentativa no governo Lula de controle da mídia, do judiciário e até mesmo das forças armadas (força nacional) em nome do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH), que não teve sucesso por oposição da base aliada do governo.

 

Uma tentativa de reedição ocorreu no governo Dilma, através do Decreto 8.243 de 2014 para tentar aprovar a Política Nacional de Participação Social (PNPS), que na prática, criava conselhos populares para, de certa maneira, se sobrepor ao congresso e ao judiciário como um quarto poder da república, com membros coniventes aos anseios do governo. Mesmo perdendo eleição, estes conselhos perpetuariam o PT no poder de alguma maneira.

 

Neste ponto, sim, os temores de transformar o Brasil numa “Venezuela” tupiniquim soaram reais, pois o grupo de Hugo Chávez foi eleito democraticamente, porém mudanças muito semelhantes às citadas acima criaram o arcabouço bolivariano para a tomada do poder e a “criatividade” econômica de tais regimes levou a Venezuela à atual calamidade humanitária e financeira.

 

Agora vamos discutir o segundo fronte em nível global:

 

A questão progressista.

 

A moralidade do séc. XXI (não confundir com moralismo), como citada em uma apresentação sobre religião do professor Richard Dawkins é aquela cunhada no secularismo e um consenso racional de discussão sóbria, em argumentos, teoria de direito, moral política e filosófica, longe de religiosidade, mitos e misticismos.

 

Esta moralidade conta com a negação ao racismo, à escravidão e à desigualdade entre sexos; reafirmação de direitos e deveres iguais a todos os seres humanos de maneira absolutamente inclusiva (em forte contraponto àqueles privilegiados por “direitos adquiridos” de modo corporativista); respeito e tratamento ético com os animais e a natureza; luta pela igualdade social; e a não agressão.

 

Tais pontos são senso comum hoje em dia, irrefutáveis na sua racionalidade moderna.

 

Neste ponto, o professor Jordan Peterson discute exatamente o tema dizendo: “Os conservadores tendem a ser altamente conscienciosos e terem baixa acessibilidade, o que é bom para manter as organizações funcionando sem problemas, enquanto o oposto é verdadeiro para os progressistas, o que são bons para gerar soluções criativas quando as circunstâncias rotineiras sofrem uma disrupção. “O ponto é que precisamos de ambos””.

 

Peterson reconhece a necessidade de uma “esquerda” política para servir de contrapeso da tendência à extrema desigualdade que é endêmica não apenas para o capitalismo, mas, na sua opinião, a todas as sociedades complexas, daí a necessidade também da existência de uma direita.

 

Ambos os professores citados acima estão longe de serem considerados como “progressistas”, todavia suas ideias são dotadas de um claro racionalismo.

 

Agora, transportando à realidade brasileira atual, temos que discutir como se comportam diversos grupos autointitulados progressistas.

 

O problema de alguns (diversos na verdade) expoentes destes grupos progressistas é uma roupagem pós-moderna de radicalismo, colocando moralidade do século XXI que citei anteriormente em “caixas herméticas” indestrutíveis por eles criadas, com tratamento semelhante a cultos religiosos e se caso surja uma demanda por “abertura destas caixas”, ou seja, discutir as diversas formas possíveis de encarar tais moralidades, ocorre a imediata censura, com o uso de Reductio Ad Hitlerum, Reductio Ad Absurdum ou o que se pode chamar hoje em dia de Reductio Ad Fascismo, ou seja, se não for do meu jeito, você é Hitler.

 

O problema é que tal reducionismo não se restringe exclusivamente ao “encaixotamento” das moralidades do século XXI, este reducionismo é utilizado para evitar o debate de tudo aquilo que se julga diferente. É o pleno combate à liberdade de expressão. O termo fascismo pode ser utilizado para qualquer propósito, mas o principal é evitar completamente o debate.

 

“Com fascista, só na ponta do fuzil”, “não deixo fascista falar mesmo, pois só falam merda”. Esta é a forma menos criativa de censura e mais fácil de ocorrer um verdadeiro debate, chame seu opositor de fascista e fuja.

 

Um cartum que vi recentemente resume bem: “Se você não vota no meu candidato, você é racista, nazista, fascista e estupra gatinhos”. Com esta forte presunção, o politicamente correto quer que a verdade seja sobreposta pela presunção moral* e pela presunção política**.

 

Deste modo, esta mesma constante presunção leva a um movimento Newtoniano de reação conservadora. Ou seja, abusar do xingamento de fascista e impor pautas fechadas como verdade imutáveis, tolher o direito a discussões criará ainda mais conservadores, como citado no início do texto.

 

Ao mesmo tempo, o renascimento da onda conservadora traz uma grande hipocrisia, pois aparentemente, reativou um grupo de pessoas de “bem”, totalmente honestas e respeitadoras, frequentadoras de igreja, sem pecados, que nunca usaram drogas (lícitas ou ilícitas), sem nenhuma ‘caixinha’ oferecida a guardas em infrações de trânsito, nunca fizeram qualquer tipo de ‘gato’, todas com famílias estáveis, como num comercial dos anos 50 da coca-cola.

 

Por fim, finalizo com os seguintes pontos:

 

· Bolsonaro não pode ser reduzido a um nazifascista, pois para a maioria dos eleitores neste momento, é o representante máximo de uma onda conservadora que, no caso brasileiro, responde aos desmandos recentes de governos de esquerda, que passam da arraigada corrupção à total inabilidade com o tema econômico, mas principalmente, com a questão da segurança pública;

 

· Sua eventual vitória não vai criar campos de concentração, assassinatos em massa de gays e minorias,

uma ditadura militar

e por outro lado, sua derrota não vai evitar que idiotas racistas, homofóbicos, machistas e até mesmo nazistas ajam como vem agindo há anos no Brasil;

 

· O conservadorismo infelizmente faz com que grupos e pessoas extremistas (os idiotas citados acima) se sintam mais confortáveis a externar suas idiotices, como tem ocorrido nos EUA após a vitória de Trump, mas assim como ocorreu nos EUA, no Brexit, em diversos países europeus, boa parte desta onda conservadora é reativa às intolerâncias das extremas esquerdas em suas pautas, entre elas, um grau de tolerância com o crime, ao automaticamente culpar o capitalismo (Tiburi e a “lógica” no assalto) pela violência;

 

· O progressismo se sentiu igualmente confortável a externar enormes exemplos de intolerância (Marilena Chaui ODEIA a classe média) e supressão à liberdade de expressão em incontáveis ocasiões, em partes devido à ascensão de governos como de Lula e de Obama, assim como o governo Obama foi uma resposta progressista aos oito anos de conservadorismo do governo Bush;

 

· O mundo não vai acabar se o PT ganhar, mas o programa de governo apresentado pelo partido se assemelha muito mais os preceitos do fascismo real do que o programa do PSL. Não vão pela minha palavra somente, leiam e comparem;

 

· O programa econômico do PSL é muito raso e do PT, perigoso, pois tenta reeditar o que se implantou durante o governo Dilma, com resultados já notórios;

 

· Confrontado com as incongruências, o PT tem sinalizado diversas alterações em seu programa, o que não necessariamente significa que serão cumpridas;

 

· Você tem todo o direito de

não gostar do Bolsonaro,

até mesmo de critica-lo, ele inclusive cedeu por muitos anos e em diversas oportunidades munição para isso;

 

· Todavia, os desmandos da classe política no Brasil também levaram à atual polarização e à forte politização do povo e como poucos políticos, ele conseguiu capturar tal insatisfação e personaliza-la. Daí ter o PT como opção, dificulta absurdamente a escolha;

 

· A esquerda brasileira já foi muito, mas muito mais inteligente. Tirava sarro da censura e dos censores (todos os olhos, Tom Zé) de maneira magistral e externava em suas obras uma primazia muitas vezes elegante para enfrentar a ditadura. Esta mesma esquerda parece hoje envelhecida nos dogmas do passado e sem a intelectualidade que a caracterizou nos anos de chumbo, se portando como uma seita;

 

· Uma das piores coisas é criticar os pobres por NÃO votarem com a esquerda.

O nível baixa de maneira impressionante

e mostra uma verve de intolerância tão grande, que os nervosos críticos parecem ‘fascistas’;

 

· Uma das piores coisas é criticar os pobres por votarem COM a esquerda. Sim, pois muitas vezes, o mínimo de atenção que estas pessoas recebem vem de grupos de esquerda, é verdade;

 

· Enfim, se o argumento para votar num partido corrupto, desprovido de qualquer moral, irresponsável com os recursos públicos e que declara abertamente que quer “

tomar o poder

”é repetição diária do mantra “racista, machista, homofóbico e fascista e se votar nele você é isso tudo e ai perder direitos”, a esquerda terá 4 anos no mínimo para fazer uma autocrítica e ficar em uma posição que sempre a agradou, a de oposição, pois essa mensagem não chega no mais pobre, que não é de esquerda, é um pequeno burguês, mais interessado em seu conforto material e na sua segurança, do que em pautas “modernas”.

 

Se votar no PT incomoda muito, concorde com Marcia Tiburi: se você não compactuou com o projeto de esquerda do PT no primeiro turno e votou no Ciro, seja coerente, vote em branco no segundo turno.

 

Se votar no Bolsonaro também incomoda e você não votaria nunca na esquerda, também vote em branco, pois em ambos os casos, esta é uma opção democrática.

 

A neutralidade faz parte do jogo e é uma decisão individual.

 

E um último ponto. Não vou discutir aqui a falácia da “falência do capitalismo”, desculpem, não há espaço para tal discussão em meio aos atuais dados econômicos.

 

*Presunção Moral: Eu sou mais elevado que você, então eu sei o que é certo e errado e você não.

 

**Presunção Política: eu apoio tal escolha não por necessariamente gostar dela, mas por que você apoia o outro lado