Vou deixar meus $2 de contribuição sobre o caso asiático de fechamento da indústria e intervenção do estado na economia.

Primeiro vou colocar um contexto histórico de séc. XX, para depois regredir alguns séculos e entrar na questão mais cultural do que histórica e como isso afeta o Brasil.

Plano Marshall, Pós-Guerra e a Indústria na Ásia

Com o plano Marshall em 1948, uma forma tanto de evitar as besteiras de proporções homéricas que criaram a segunda guerra mundial, como para estabelecer a hegemonia econômica dos EUA no mundo, o Japão, naquele momento literal “terra arrasada”, aceitou comportar um parque industrial ocidental, o qual os EUA e alguns países estavam querendo se livrar.

O processo deflagrado com a revolução industrial criou uma nova elite, a burguesia industrial e com a melhora das condições de renda e educação proporcionada por este movimento, as demandas das populações se sofisticaram a cada geração, tornando inaceitável diversas práticas trabalhistas, ambientais, sociais, resultado também da sofisticação dessa produção.

O problema é que aquela produção pesada, de indústria de transformação, que gera passivos trabalhistas, ambientais, sociais enormes continuam “necessárias” para fazer esta roda girar e a solução, muitas vezes, é transferir parte do “parque sujo” para outros países.

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Wernher von Braun

No pós-segunda guerra, por causa da presença de Von Braun nos EUA e a necessidade e um bloqueio quase físico em Berlin contra Moscou, os EUA optaram por investir na Alemanha em P&D, juntamente com os notórios pesquisadores locais (muitos egressos do nazismo) e em uma indústria mais sofisticada, voltada à “Big Parts”, enquanto ao Japão, apesar de ser tecnologicamente avançado, foi relegado ao “parque industrial sujo”.

Dada as péssimas condições do país, que podem ser claramente vistas em filmes como Nora Inu (Cão Vira-Latas) de Akira Kurosawa, tal solução foi aceita e o Japão a abraçou.

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Nora Inu – Akira Kurosawa

Como não poderia ser diferente, o país oferecia mão de obra barata, mas com produtividade muito acima da média de países de terceiro mundo (e alguns de primeiro), com uma população bastante educada.

Não demorou muito para que os Zaibatsu ((財閥, “panelinhas financeiras”), supostamente dissolvidos durante a guerra, com ativos nacionalizados e parte do parque industrial destruído, começassem a se mexer novamente, de forma a incrementar sua influência na economia japonesa.

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Em um primeiro momento, os EUA entenderam que os Zaibatsu eram um problema, pois concentravam poder na mão de um número reduzido de famílias, mas mudou rapidamente de ideia quando a revolução comunista na China e a guerra da Coreia trouxe o temor do avanço vermelho na região.

Com isso, os EUA reverteram a ordem de dissolução dos Zaibatsu e começaram a impulsionar e investir na indústria local, o que em 10 anos, elevou o padrão de vida japonês absurdamente, fora a capacidade ímpar de reconstrução embebida na cultura local.

Em 1964, 19 anos após o fim da guerra e 16 anos após o plano Marshall, além de realizarem a olimpíada de verão daquele ano, também possibilitaram a primeira transmissão ao vivo via satélite geoestacionário, como uma demonstração dos avanços tecnológicos do país.

Neste momento, o Japão começou a brilhar no mundo como potência industrial, mas ainda era, em muitos casos – com exceção da indústria de câmeras e produtos ópticos – fornecedora de produtos de baixa qualidade (os famosos radinhos de pilha japoneses), com foco na indústria pesada (Mitsubishi e Yamaha, por exemplo) com passivos ambientais pesados.

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Sony TR-6 Transistor

Para a turma GenX, é fácil lembrar o mote da série de Tokukatsu Spectreman:

“Planeta: a Terra. Cidade: Tóquio. Como todas as grandes metrópoles do planeta, Tóquio se encontra hoje em desvantagem na sua luta contra o maior inimigo do homem: a poluição. E, apesar dos esforços de todo o mundo, pode chegar um dia em que a terra, o ar e as águas venham a se tornar letais para toda e qualquer forma de vida. Quem poderá intervir? Spectreman!!!”

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Isso foi em 1971 e já desnudava a maior preocupação da população na época, pois os avanços industriais já se refletiam nos avanços educacionais, tecnológicos e das demandas mais sofisticadas da população.

O Japão precisou então de uma década para iniciar a escalada como maior potência dos anos 1980, considerada a década perdida por muitos países, mas que consolidou o Japão à frente de muitos países.

Com uma generosa dose de espionagem industrial e investimento maciço em P&D, especialmente na jovem indústria de chips e semicondutores, o Japão redesenhou seu futuro.

O grande salto veio não somente na indústria de eletrônicos, pois tais fabricantes japoneses começaram a produzir circuitos integrados, microprocessadores e microcontroladores também para a indústria automobilística, inclusive para entretenimento automotivo, limpadores automáticos, travas eletrônicas, painel e controles do motor.

A indústria automobilística japonesa adotou amplamente os CIs muito antes da indústria automobilística americana.

Neste momento, além de revolucionar os modelos de carros e eletrônicos, também revolucionou os meios de produção – como visto na comédia Gung Ho, com Michael Keaton – a economia japonesa mudou sua ênfase das atividades primárias e secundárias (principalmente agricultura, manufatura e mineração até o fim dos anos 1960) para o processamento, com telecomunicações e computadores tornando-se cada vez mais vitais.

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Gung Ho – 1986

A informação tornou-se um importante recurso e produto, central para a riqueza e o poder.

Com carros de baixo custo, seguros e com baixo consumo de combustíveis, eletrônicos confiáveis e altamente sofisticados (lembram do Walkman e de Akio Morita?), produtos industriais de qualidade superior, foco pesado em pesquisa e desenvolvimento de eletrônicos, computadores e semicondutores, o cenário estava montado para o domínio japonês nos anos 1980, que praticamente “comprou” a costa oeste americana.

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Akio Morita – Sony

A introdução de tais produtos recebeu forte reação de diversos países, especialmente os desenvolvidos, pois a maioria não conseguia nem de perto competir com os similares japoneses, nem em custo, nem em qualidade.

Os eletrônicos sofreram menor reação, pois a qualidade era tão superior, que que se tornou uma batalha inglória e difícil de ser acompanhada.

Já a indústria automotiva sofreu mais, pois o custo reduzido e a alta qualidade dos veículos criou uma série de protecionismos locais, especialmente na Europa, onde a indústria era e ainda é fortemente sindicalizada.

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Toyoya Hilux 1985 – Filme “De Volta para o Futuro”

Outra reclamação era que o Japão era muito fechado para o mundo, mas aberto para suas exportações e que tal situação levaria a distorções grandes de balanças comerciais e de pagamentos, o que não deixa de ser verdade.

Para dar continuidade ao seu projeto de crescimento e sofisticação, o Japão “emprestou” os ideais do plano Marshall e transferiu parte da industrialização não mais desejada em seu território inicialmente para a Coreia do Sul e com o avanço das conversações entre Deng Xiao Ping e Jimmy Carter, o mesmo foi feito com para a China.

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Hoje, o Japão se encontra na “quinta fase” da revolução industrial, onde é fornecedor global de produtos de altíssima qualidade, mas se concentrou em fornecer e desenvolver aquilo que faz o restante da indústria funcionar, ou seja, o desenvolvimento de chips, semicondutores e outros produtos, os quais a China AINDA não conseguiu copiar ou chegar ao mesmo nível de sofisticação.

Para comparamos, é possível ver a replicação asiática em massa, com a Coreia do Sul e a China seguindo quase que ipsis literis o movimento japonês industrial, partindo de uma indústria pesada, passando pela produção de bens de baixo valor agregado e qualidade duvidosa, indo para a sofisticação das demandas sociais e ambientais, pela melhora da qualidade de vida e renda proporcionada por este movimento, chegando à produção de bens de alta qualidade e sofisticação, terminando numa indústria fortemente focada em P&D.

Lembram dos carros coreanos Kia e dos kits multimídia e monitores da LG e Samsung? Essa foi uma das primeiras incursões sul-coreanas no modelo industrial de produção em massa de um bem de alta demanda, mas de qualidade duvidosa, com preço baixo.

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KIA Besta 1992
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O mesmo fez a China, que neste momento, está em um misto de produção de baixa e alta qualidade e ultrapassado a Coreia do Sul em diversos aspectos, mas ainda atrás do Japão.

A partir daqui, vamos esclarecer alguns mitos e ideias preconcebidas sobre o Japão e o modelo asiático de crescimento:

O Mito sobre os japoneses (os asiáticos no geral) não criarem, mas copiarem:

Este mito é um dos mais estranhos, pois sim, os asiáticos adotam novas tecnologias que os interessam muito rapidamente, mas assim como a pólvora veio da China para o ocidente e não o contrário, uma gama de enorme de invenções que ajudaram à humanidade também o fizeram.

No Japão, o engraçado mito de que o “Samurai não usava arma de fogo“ se choca com a realidade do uso das mesmas desde 1270, com uma arma chamada teppō (鉄砲 lit. “canhão de ferro”) algo bem primitivo, mas que já usava pólvora.

Em 1543, os portugueses introduziram o mosquete no Japão, durante o período das guerras (Sengoku Jidai – 戦国時代), mas era muito rudimentar e de difícil uso.

Com isso, trabalharam em várias técnicas para melhorar a eficácia destas armas, inicialmente com uma técnica de tiro em série para criar um voleio contínuo de balas no inimigo, calibres maiores para aumentar o poder letal, caixas protetoras em laca para poder disparar mosquetes na chuva, bem como sistemas para disparar armas com precisão à noite, mantendo ângulos fixos graças a cordas e pêndulos.

Aqui está o ponto, culturalmente, os japoneses e outros povos asiáticos inventam diversas tecnologias, mas quando se deparam com uma que os interessa, se apressam a adotá-la e não só isso, a aperfeiçoá-la também.

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Os mosquetes japoneses (Tanegashima – 種子島) no século XVII valiam seu peso em ouro na Europa, dada a precisão e os avanços adicionados, ao ponto de criar forte reação dos armeiros do velho continente, tentando então copiar as novidades introduzidas.

Isto é algo que ocorre por séculos e sim, ocorreu no século XX, quando diversas empresas se instalaram no Japão no período Marshall, quando empresas japonesas e americanas se instalaram na China e na Coreia do Sul, assim como tem ocorrido com empresas chinesas que se instalam no Camboja e Vietnã, transferência de tecnologia.

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Hanoi – Vietnã

Portanto, o mito do “Japonês (asiático) não cria, só copia” é falso e embebido em uma enorme dose de racismo.

As economias são fechadas para o mundo

Este é e não é necessariamente um mito

Asiáticos possuem enorme foco na industrialização, como ocorrido com o Japão na primeira metade do séc. XX e com a China e Coreia do Sul na segunda e deste modo, a oferta de bens de consumo internamente nestes países é muito grande e no caso japonês, diversas tecnologias saem primeiro lá, para depois então alçarem voo no restante do mundo, o que limita fortemente o consumo de produtos externos.

Outro ponto é a questão cambial, pois pelo viés exportador, diversos destes países tem sua moeda fortemente valorizada, o que faz com que produtos importados criem uma competição muitas vezes desleal com o produto local.

Daí sim, protecionismo.

Um exemplo disso são os LPs, CDs e jogos de vídeo game.

No Japão, normalmente os antigos LPs e CDs de bandas estrangeiras continham faixas bônus para fazer com que fossem mais atraentes do que o similar importado, caso contrário, as pessoas não comprariam os mesmos.

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CD Duplo japonês da Banda Stray Cats – Versão não lançada no Ocidente

Para quem gosta de música, isso se tornou algo mítico, pois além de mais caros, os LPs e CDs japoneses possuíam melhor qualidade, faixas extras, encartes etc., fazendo do produto algo desejável aos estrangeiros também.

No caso dos videogames, a Nintendo, quando lançou o Family Computer (Famicon), que no restante do mundo se tornou o Nintendo Entertainment System (NES), adotou-se um padrão de cartuchos bem maiores no segundo sistema, primeiramente para evitar que os japoneses comprassem os cartuchos estrangeiros mais baratos, mas para evitar o contrário também, de jogos exclusivos para o Japão, como lançamentos ainda não traduzidos.

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Cartucho e disco japoneses não disponíveis para o NES ocidental

No restante, há abertura para importação de produtos estrangeiros no Japão, China e outros países asiáticos, mas há uma cultura nestes países de consumo de produtos locais, exatamente pela abundante oferta.

Muito do que se consome de estrangeiros nestes países, dada a elevação da renda são produtos de luxo, como roupas, acessórios, veículos, joias e também restaurantes.

No dia-a-dia, o asiático, até por conta de particularidades também culturais, opta por consumir local.

Investimento estatal

O caso chinês é o mais nítido e notório de intervenção direta na economia e de planejamento estatal, que demanda, além de enormes quantidades de dinheiro, um controle econômico e político que se afasta de qualquer noção de democracia.

Diferente do que acontece no caso de outros países, vamos focar na questão do Japão, pois o similar ocorre na Coreia do Sul, para entender o papel do estado na economia e sua influência, partindo de um texto do coutrystudies.us.

Após a Segunda Guerra Mundial e especialmente nas décadas de 1950 e 1960, o governo japonês elaborou um intrincado sistema de políticas de promoção do desenvolvimento industrial e cooperou estreitamente com empresas privadas, de forma a transferir recursos para indústrias específicas, para obter vantagem competitiva internacional e utilizando políticas e métodos para aumentar a produtividade dos insumos e influenciar, direta ou indiretamente, o investimento industrial.

 A orientação administrativa (行政指導, Gyōsei-Shidō) é o principal instrumento de imposição usado extensivamente por todo o governo japonês para apoiar tal ampla gama de políticas, com o uso de influência, prestígio, conselho e persuasão para encorajar tanto as corporações quanto os indivíduos a trabalhar em direções julgadas desejadas pelo governo.

A persuasão é exercida e o conselho é dado por funcionários públicos, que muitas vezes têm o poder de fornecer ou reter empréstimos, doações, subsídios, licenças, concessões fiscais, contratos governamentais, autorizações de importação, divisas e aprovação de acordos de cartel, enquanto a orientação administrativa é usada para amortecer as oscilações, antecipar os desenvolvimentos e aumentar a concorrência no mercado.

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Os mecanismos usados pelo governo japonês para afetar a economia normalmente estão relacionados ao comércio, mercados de trabalho, concorrência e incentivos fiscais e incluem uma ampla gama de medidas de proteção comercial, subsídios, isenções de jure e de facto dos estatutos antitruste, ajustes no mercado de trabalho e assistência específica a setores para aprimorar o uso de novas tecnologias.

Em vez de produzir uma ampla gama de bens, os japoneses selecionam algumas áreas nas quais podem desenvolver bens de altíssima qualidade que podem produzir em grandes quantidades a preços competitivos, como por exemplo, a indústria de câmeras, que desde a década de 1960 é dominada pelo Japão.

Além disso, o banco central japonês, o Bank of Japan (BoJ) tem no seu portfólio não somente títulos públicos e operações de mercado, mas ações de empresas japonesas e muitas estrangeiras que têm participação japonesa, fomentando também o mercado de capitais que sustenta o giro em momentos de expansão e crise.

Historicamente, houve três elementos principais no desenvolvimento industrial japonês.

O primeiro foi o desenvolvimento de um setor manufatureiro altamente competitivo.

A segunda foi a reestruturação deliberada da indústria em direção nas indústrias de maior valor agregado e alta produtividade.

 No final da década de 1980, essas eram principalmente indústrias terciárias intensivas em conhecimento.

O terceiro elemento foram estratégias de negócios domésticas e internacionais agressivas.

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O Japão tem poucos recursos naturais e depende de importações maciças de matérias-primas e precisa exportar para pagar suas importações.

Manufatura e a venda de seus serviços, como bancos e finanças, eram seus principais meios de fazê-lo e por essas razões, o desenvolvimento cuidadoso do setor produtivo tem sido uma preocupação fundamental tanto do governo quanto da indústria durante a maior parte do século XX.

Os líderes governamentais e empresariais geralmente concordam que a composição da produção do Japão deve mudar continuamente para que os padrões de vida aumentem e o governo desempenha um papel ativo nessas mudanças, muitas vezes antecipando os desenvolvimentos econômicos em vez de reagir a eles, o que mantém o Japão na vanguarda, especialmente em Pesquisa e Desenvolvimento.

Nos últimos anos, há uma presença de japoneses nos prêmios Nobel em praticamente todos os anos, muitas vezes em prêmios divididos com apoio de universidades locais e estrangeiras, sendo 12 em física, 8 em química, 5 em medicina, 3 em literatura e 1 da paz.

A sequência é 1949, 1965, 1968, 1973, 1974, 1981, 1987 (2x), 1994, 2000, 2001, 2002 (2x), 2008 (5x), 2010 (2x), 2012, 2014 (2x), 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2021, num total de 29 prêmios.

Eis aqui parte da história do sucesso japonês.

Todavia, podemos replicar tal modelo no Brasil?

Comparações com Brasil

Primeiramente, o modelo asiático tem como base uma enorme característica cultural, em enorme parte advinda do confucionismo e da própria estrutura linguística, portanto, replicá-lo ou utilizar parcialmente suas características para tentar replicar no ocidente, param nesta primeira barreira, especialmente no Brasil.

O Brasil viveu um boom de industrialização no pós-segunda guerra que transformou a cidade e o estado de São Paulo em uma potência econômica, em grande parte comparada e muitas vezes superior a países desenvolvidos.

Saindo de um país predominantemente pobre e agrícola, para urbano e industrial foi um salto enorme, com o fomento da industrialização nacional pela substituição de importações, abertura ao capital externo para investimento, planejamento estratégico, com construção de infraestrutura como rodovias, hidroelétricas, aeroportos e promoção da indústria de base e de bens de capital.

Daí começaram as indicações do “País do Futuro” algo dito interna e externamente sobre o Brasil, adotando um estilo de vida semelhante ao americano, com consumo de bens industriais, vida urbana e avanços de infraestrutura que atraia o capital humano do interior para as capitais.

A ditadura militar fechou o país fortemente para o capital e produto estrangeiro, sendo que a maior parte das empresas estrangeiras aqui instaladas precedem o regime de 1964 e concentrou os investimentos numa série de estatais criadas durante o período Vargas/JK.

O período militar era antiliberalismo econômico e a intervenção estatal foi feita de maneira atropelada, com baixo planejamento e com elevado custo, semelhante ao que ocorreu no Brasil em governos recentes e levou, consequentemente, à hiperinflação observada entre os anos 1970 e 1990.

“Crescer o bolo para depois dividir”

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Delfim Netto – 1968

Para piorar, o investimento em educação no período foi se degradando gradativamente, continuou a se deteriorar nos anos que se seguiram ao fim da ditadura e mesmo com o mínimo constitucional obrigatório de investimento hoje em dia, a qualidade educacional continua em declínio absurdo, levando o país à perda constante de índices internacionais e de produtividade, só não piorando mais pelo advento dos avanços tecnológicos.

Como tudo que é ruim, pode piorar, a insistência na produção de conteúdo local ganho mais um capítulo em 1984, próximo ao fim da moribunda ditadura, quando o Brasil criou uma burrice chamada Lei Federal nº 7.232/84, ou a Lei de Reserva de Informática.

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Placa nacional Microdigital

O intuito era fazer com que a proibição de importações de itens de informática criaria uma indústria local, mas obviamente, deu tão errado, que além de criar empresas e produtos de baixíssima qualidade, afinal, produtos de informática demandam uma enorme gama de importados, grandes empresas contrabandeavam quase que “oficialmente” estes itens para poder operarem minimamente.

Apesar de todo o “apoio” à indústria local, a única indústria automobilística local tinha como representante a Gurgel, a qual, ainda que muito bravamente, produziu veículos de baixa qualidade e confiabilidade.

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Gurgel

Tentou trazer inovações como um carro elétrico (Gurgel Itaipu) que não tinha autonomia superior a 50 km, levava 10 horas para recarregar e não passou de 60 km/h no seu último modelo.

Fora as carrocerias de fibra de vidro e posteriormente, de banana.

No geral, os carros Gurgel utilizavam motores Volkswagen, ou seja, a tecnologia era somente parcialmente nacional.

Gurgel era um caso a parte, pois além da falta de apoio governamental tanto para pesquisa e desenvolvimento, como produção, sofria com ideias incompatíveis com a tecnologia da época, ou seja, talvez hoje em dia, pudesse ser diferente.

Voltando ao Brasil atual, não somos capitalistas, somos ainda uma economia fechada, de intervenção estatal, onde o protecionismo não se traduziu como melhora na produtividade, como substituição crível de importações, como redução de custo do produto local para os brasileiros, ou mesmo, como destaque em relação aos seus pares internacionais.

Tal protecionismo criou uma indústria “preguiçosa”, que só se mexeu realmente com a abertura dos mercados no governo Collor, mas que ainda é acomodada por uma baixa competitividade, tem baixa produtividade, impostos elevados que são transferidos ao consumidor e uma matriz tributária ridiculamente onerosa.

Tudo isso faz do Brasil um país extremamente caro para os brasileiros, que tem que trabalhar proporcionalmente muito mais do que outros países, para consumir a mesma ordem de bens de consumo.

Daí tentar adotar aqui as premissas observadas na Ásia barra em diversos pontos controversos, como a diferença cultural, especialmente de apoio das empresas privadas às intenções governamentais; do comprometimento populacional a tais políticas; do massivo investimento em educação de base, ao mesmo tempo em pesquisa e desenvolvimento; em como isso afeta a produtividade em larga escala e longo prazo.

O Brasil se tornou um exemplo mundial de manejo de solo e água, de produtividade do setor agrícola, da utilização de terras consideradas não compatíveis a certas culturas e tudo isso vem do investimento na Embrapa e de pesquisas em universidades com Esalq-USP, ou seja, temos exemplos de como o investimento em P&D, aliado à educação e o setor privado podem trazer resultados espetaculares, apesar de não serem de conhecimento da enorme maioria dos brasileiros.

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Outro exemplo é a Embraer, empresa com ligação quase emocional ao ITA, mas que se tornou competitiva e uma das maiores empresas de produção aérea do mundo após a privatização em 1994, após assumirem o enorme passivo acumulado no período.

Eis o problema, são muito poucos exemplos, num universo em que em outros países, as empresas e indústrias são contadas aos milhares, com uma parcela significativa listada em bolsas de valores.

Portanto, levando em consideração as características socioeconômicas e culturais, não podemos propor um “fechamento da economia” e “intervenção estatal” nos moldes asiáticos no Brasil, sem contar com mudanças importantes, como:

·       Matriz tributária decente;

·       Menor corrupção governamental;

·       Redução da cartorização e da burocracia estatal;

·       Investimento maciço em educação básica, acima de tudo, com mudança de foco da educação atual;

·       Educação técnica disponível em TODA rede pública a partir do ginasial;

·       Investimento em infraestrutura, desde o ajuste da infra atual, até o reforço como ferroviária, cabotagem, portos, aeroportos e outros;

·       Elevação na produtividade;

·       Mudança de foco no investimento em educação superior, especialmente em mestrados e doutorados, pois o Brasil beira a irrelevância em termos de citação de trabalhos acadêmicos;

·       Pesquisa e desenvolvimento em conjunto com a iniciativa privada, pois além de trazer recursos às universidades, cria patentes que remuneram professores e permitem recursos às pesquisas básicas;

Sem isso, um fechamento maior da economia (pois já somos bem fechados) somente beneficiaria uma elite industrial que não tem interesse em competição, está confortável com o atual cenário e se beneficiaria ainda mais deste processo, especialmente com “dinheiro do governo” entrando.

Ou seja, continuaríamos com baixa produtividade, criando produtos caros para os brasileiros.