“Venda em maio e se mande”, é um dos mais conhecidos adágios do mercado financeiro. Refere-se a um costume do século XIX de banqueiros, empresários e aristocratas ingleses que saíam de Londres durante os dias quentes de verão para desfrutar do campo.
No hemisfério norte, trata-se de uma prática relativamente comum, devido às estações mais definidas e às férias de verão, onde, nos EUA, costuma ocorrer entre o Memorial Day (28 de maio – HOJE) e o Dia do Trabalhado (primeira segunda-feira de setembro).
Os dados não estão totalmente de acordo com o provérbio, mas a evidência não suporta um movimento total de “venda” em si, mas de alguma forma também uma posição de “espera”. Ou seja, os investidores podem manter posições em ativos mais seguros durante o verão e passar para os mais arriscados durante o inverno.
Mark Hulbert, colunista do MarketWatch, analisou dados desde 1897 e descobriu que os anos de mandato presidencial têm mais influência nesse cenário do que o próprio ditado. O período de “inverno” no terceiro ano de mandato presidencial tem um ganho médio de 11%, enquanto o “verão” tem uma pequena perda. Nos anos um, dois e quatro, os “invernos” subiram cerca de 3%, enquanto os “verões” ganham cerca de 2%. O caso de “Venda em maio …” ainda está em pé, ainda assim.
Tendo isso em mente, embora não seja um caso clássico de “Venda em maio…” em ano presidencial, o momento atual saturado de alguma forma por fortes externalidades causadas pela presidência Trump.
Entre elas, estão:
- O caso russo (em várias situações);
- A guerra comercial recentemente declarada contra vários países, especialmente a China;
- Síria;
- A retirada do acordo nuclear com o Irã;
- O corte na produção da OPEP, causando o aumento dos preços do petróleo, levando a perspectivas de inflação mais alta nos EUA, aumentando consequentemente as chances de aumentos adicionais das taxas de juros;
- Por fim, levando a uma pressão renovada sobre o rendimento dos títulos do Tesouro dos EUA e dólares americanos.
Antes de piorar estas condições, os mercados emergentes floresceram com ganhos intensos desde o início do ano. Até o mês de maio, não apenas as moedas de mercados emergentes, mas também todo tipo de ativos seguiriam a estabilidade moderada do mercado dos EUA, devido a dúvidas sobre o número de aumentos das taxas dos Fed Funds. O dólar atingiu novos fundos em fevereiro, permanecendo bastante estável até o final de abril.
Essa é a data chave. A proximidade de maio, teoricamente, desencadeia o movimento de venda, fazendo todos os fatores citados acima importarem muito mais na mente dos operadores do que antes. Isso é obviamente ‘procurar pêlo em ovo’, mas ofereceu as desculpas perfeitas para a realização de lucros, busca de ativos notoriamente mais seguros (ou seja, ações dos EUA, títulos do Tesouro e dólar) e para curtir um período merecido de férias.
O Dow subiu quase 1.000 pontos desde o início de maio, enquanto o 10Y Bonds quebrou a barreira de 3%, e o índice DXY Dollar Spot subiu 6,5% do ponto mais baixo em fevereiro. Por outro lado, as moedas, ações e títulos emergentes, foram as principais “vítimas” desse selloff atípico.
Como visto abaixo, as bolsas emergentes caíram forte até o final de maio, com exceção do mercado continental chinês.
A média móvel mostra perdas de 3,8% a partir de 28 de abril, sem sinais de curto prazo de melhora, enquanto no mesmo período, o Dow subiu acima de 2%.
Mostramos acima Ibovespa (Brasil), JSE (África do Sul), Mexbol (México), Borsa Instanbul (Turquia), Moex (Rússia), Shenzen (China), SGX (Cingapura), Bux (Hungria), Kospi (Coréia do Sul), Wig (Polônia), TWSE (Taiwan) e Hang Seng (Hong Kong).
No período, apenas a China Continental e Hong Kong não apresentaram perdas.
As divisas dos mercados emergentes seguiram o mesmo compasso, conforme pode ser visto abaixo no MSCI Emerging Markets Currency Index. O final de abril permanece como a data chave.
Seguindo o padrão anterior, é possível que a atual “Venda em maio…” tenha terminado semana passada e será seguida por um período de menores volumes de mercado, provavelmente também menor volatilidade. Quanto ao clima, o próximo verão é bastante promissor, com previsões de temperaturas mais altas e céu limpo.
Em um cenário de alta nos preços do petróleo, a crescente demanda por combustível pode ser um problema, particularmente para as projeções de inflação dos EUA, mas desde que os membros do Fed concordaram que resultados modestamente acima de 2% seriam úteis para ancorar expectativas de inflação de longo prazo, o preço do petróleo pode perder força nos próximos meses. Isso nos leva ao caso do óleo de xisto.
O caso de xisto
A revolução do xisto levou a um rápido crescimento da indústria de gás natural nos Estados Unidos nos últimos anos. A produção de gás natural seco aumentou mais de 50%, tornando os EUA o maior produtor de gás natural e conquistando posições importantes como um grande produtor de petróleo no mundo.
De acordo com o Bureau of Labor Statistics, os estados produtores foram os epicentros da recente revolução do xisto que ajudou a aumentar empregos, infraestrutura e tecnologia nas áreas. Estados como a Pensilvânia, Nova York, Virgínia Ocidental, Ohio, Dakota do Norte e Texas são os principais beneficiários da revolução do xisto.
Quase dez anos de investimentos intensos finalmente valeram a pena em 2014, quando os EUA inundaram o mercado com petróleo e gás de xisto, levando a uma queda de preço ao histórico de US$ 26,21 por barril em fevereiro de 2016, quando os produtores finalmente estavam livres para exportar seu petróleo. A partir desse ponto mais baixo, o preço se estabilizou em torno de US$ 48 o barril, tornando a extração um negócio bastante equilibrado e rentável.
No entanto, as margens de lucro de óleo e gás de xisto são apertadas, pelas seguintes razões:
- O dispendioso processo de extração, através de fracking*, com uso intensivo de areia, em falta recentemente;
- A falta de infraestrutura de portos capaz de lidar com os grandes tanques de óleo;
- Escassez de pessoal técnico especializado na maioria das áreas, desde soldadores até engenheiros;
- Um gargalo na infraestrutura de oleodutos, bem como o alto custo de frete via ferrovia ou caminhões, considerado complexo e perigoso;
- Além disso, o grau do óleo, já que o produzido a partir do fracking* é um tipo muito leve, tornando-se necessário construir novas refinarias, algo quase impossível hoje nos EUA, devido a fortes regulamentações ambientais.
*(o processo de injetar líquido a alta pressão em rochas subterrâneas, furos, etc., de modo a forçar a abertura de fissuras existentes e extrair petróleo ou gás)
Depois de um ano de ganhos intensos, os fatores acima forçaram os produtores a interromper as atividades, reduzindo a oferta geral, abrindo espaço para os movimentos da OPEP para restringir a produção global, a fim de aumentar os preços até os níveis observados hoje.
Há também uma zona de conforto de preços acima de US$ 60 por barril para os produtores de xisto, considerando os fatos acima, portanto, manter a produção dispendiosa em um nível controlado foi uma estratégia correta até recentemente. Menos produção, ganhos semelhantes.
Ainda assim, vários sinais recentes de mudança estão chegando.
Os dados mostram que o emprego de folha de pagamento nas áreas produtoras aumentou em uma base ajustada sazonalmente na região do Vale do Rio Ohio nos estados da Pensilvânia, Ohio e Virgínia Ocidental, anteriormente conhecida como “Rust Belt”, conhecida agora como Região Shale Crescent dos EUA, com novas plantas petroquímicas construídas recentemente.
Somente esta área, de acordo com um novo estudo divulgado em março pela IHSMarkit, teria um fluxo de caixa quatro vezes maior e economizaria US$ 3,6 bilhões em um período de 20 anos, em comparação com uma usina similar na costa do Golfo.
É a região mais rentável do mundo para uma planta petroquímica e os EUA são agora o principal produtor mundial de energia.
Outro importante sinal é que, como a Administração de Informações sobre Energia (EIA) dos EUA divulgou há dez dias, a produção de óleo de xisto deve subir cerca de 145.000 barris por dia para um recorde de 7,18 milhões de barris/dia em junho, 144.000 barris/dia acima do atual mês e os 5,40 milhões de barris/dia em junho de 2017.
A produção de gás natural também foi projetada para aumentar para um recorde de 68,1 bilhões de pés cúbicos por dia (bcfd) em junho, contra apenas 56,4 bcfd de um ano atrás.
E agora?
Nós mencionamos os movimentos na indústria americana de xisto, pois nossa percepção desde o primeiro trimestre é de que em breve entrará novamente no mercado para recuperar sua posição como um grande fornecedor global.
Como a mais recente volatilidade do mercado teve seu pico devido ao aumento dos preços do petróleo e às potenciais consequências das projeções de inflação nos EUA, acreditamos que uma oferta renovada é a chave para manter os preços abaixo de US$ 70 por barril.
Nem mesmo a falta da oferta iraniana seria suficiente em comparação com o “poder” do xisto.
A diferença de mais de 10% entre os contratos Brent (Londres) e WTI (Nova York), o maior desde março de 2015 (18,9%), já mostra sinais de maior oferta americana. Junho é um mês chave para a indústria, especialmente na região norte, instalada em áreas majoritariamente isoladas durante o inverno. A previsão de um verão seco e quente ajuda a indústria de várias maneiras.
Em suma, acreditamos que a maior parte do calor da recente volatilidade alimentou o ditado do “Sell in May…”, que foi atipicamente alimentado pela série de externalidades dentro da administração Trump, juntamente com os cortes na produção da OPEP que coincidentemente levaram a alta dos preços do petróleo desde o início de maio.
Uma oferta renovada dos produtores do Xisto americano pode conter o entusiasmo dos membros da OPEP e os preços dos óleos podem continuar a cair, reduzindo as previsões de inflação mais alta nos EUA e as pressões por aumentos adicionais de taxa, também afundando a demanda por dólares norte-americanos.
Se as externalidades do Trump não ficarem no caminho novamente, junho pode ser um mercado menos volátil e mais chato do que o de maio.
Assim esperamos.